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Poema-Ponte: três poemas de Pedro Sáfara

  • Foto do escritor: Dee Mercês
    Dee Mercês
  • 21 de fev.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 24 de fev.

O poeta brasileiro Pedro Sáfara, radicado em Portugal, apresenta três poemas que exploram a beleza, a arte e a sinceridade, em diálogo com a tradição poética.


Poema-Ponte: três poemas de Pedro Sáfara
Foto: José Cardoso

Pedro Sáfara é um poeta brasileiro, radicado em Portugal há 13 anos. Estudou Filosofia, Sociologia e Música, considerando a educação que deu a si próprio como a sua conquista pessoal mais importante. Lançou pela Editora Jugular seu primeiro livro, Traumatologia dos Encontros.


Poema-Ponte: três poemas de Pedro:


MINUTO DE ESTÉTICA


Arte é fazer necessário

do que é contingente.


Sua vocação é falhar,

mas falhar belamente.


in Traumatologia dos Encontros, 2024, p.101


O NASCIMENTO DAS CIGARRAS

(A Noel Rosa)


Malandro que não bebe,

que não come,

que não abandona o samba,

pois o samba mata a fome


I

Antes do puerpério da parideira das Musas,

mesmo antes da menarca do Canto Primeiro,

com sua mínima, semínima, colcheia, fusa...

andavam homens por cá, num silêncio ligeiro.


II

Quando nasceram as Musas de todas as Artes,

estes homens logo se puseram a cantar!

Como se fossem simples, sem divisas, sem partes,

esqueceram-se da fome, da sede, do ar!


III

Morreram estes homens diante da visão

das Musas neonatas, morreram sem saber.

As Musas, gratas, lhes presentearam então

com dom de poder cantar sem precisar comer!


IV

Pois é: estes antes-homens agora só cantam.

No mato, na beira do rio: viraram cigarras.

Da manhã até o fundo da noite e seu manto,

seu coro garrido, coro de encanto, nunca para!


V

Mas morrem as cigarras, são cantos de mortais...

Elas morrem no calor do meio-dia, ascendem

de novo às Musas, felizes em seus pedestais.

Lá, as cigarras lhes contam de suas passagens.


VI

Aqueles que honraram o canto das cigarras vivas

ao morrerem ganharão os favores das Musas.

Já aquele, cujo o ouvido é surdez de esquiva,

na casa das Musas será sempre alma intrusa.


in Traumatologia dos Encontros, 2024, p.28/29


SINCERIDADE

(A Fernando Pessoa)


Como poeta, nunca minto.

Procuro unidade no distinto.

A flor? A delicadeza da tez.

Talvez, ainda, aberta languidez.

Na sua beleza transitória,

uma nota sobre todo luto.

Pra alguns, só a memória

do adorno sobre o defunto.


Como poeta, nunca minto.

Faço relar o 'vejo' com o 'sinto'.

A criança, como a flor, indefesa.

Só nos frutos dá a força sua certeza.

A mãe dá à criança seu sumo,

a fruta sua carnação à semente.

E o pai, consumido pelo húmus,

põe-se abaixo a pôr crias à frente.


Como poeta, nunca minto

e nunca acerto cem por cento.

A flor é tantas que, num poema,

nunca pode ser si mesma.

É tanto a piedade atraente e color

do casto olhar, do rubefato da santa,

como a força mansa, cheiro e sabor

de beijo profissional, fingido de puta.


(Poema inédito)


 

A Poema-Ponte é uma coluna quinzenal dedicada à poesia luso-brasileira, com curadoria do poeta português Pedro Albuquerque e edição do poeta brasileiro Dee Mercês. A cada edição, a coluna apresenta poetas emergentes ou com trajetórias mais consolidadas de ambos os países, promovendo um rico intercâmbio literário entre Brasil e Portugal.



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