As dúvidas sobre o mercado editorial são diversas. A época em que vivemos, de informações rápidas e acessíveis, é a melhor possível para um escritor viver, e Wilson Júnior sabe bem disso. Não se contentando em ser apenas autor, ele decidiu também ser editor. A editora Escambau, como definida pelo próprio fundador, surgiu da necessidade de Júnior e outros escritores próximos terem um espaço para chamar de seu no mercado literário.
Iniciaram com alguns projetos menores, até que surgiu a publicação de livros. Wilson confiou em si para a primeira publicação digital e física: 999, seu romance de estreia, traz uma ideia não muito convencional: explorar o cotidiano das minorias raciais na Europa medieval, quando Portugal ainda nem havia se constituído como país.
Esta entrevista fala sobre a atuação de Júnior no mercado editorial, sua escrita e a ancestralidade negra retratada em seus livros. Confira as opiniões do autor!
Você fundou sua própria editora, a Escambau. Por quê?
A editora surgiu como uma necessidade. Primeiro, para publicar coletâneas de contos dos alunos de cursos que ministrei; posteriormente, para a Revista Escambanáutica e as outras revistas que entraram no nosso selo editorial. Quando decidi publicar de forma independente, utilizamos a base construída para facilitar os processos editoriais do livro. Demos suporte a alguns projetos de amigos, e no fim a Editora Escambau é para isso: para realizarmos projetos bem pessoais.
Quais as vantagens e dificuldades em trabalhar no mercado editorial? Como tem sido trilhar esse caminho?
Acho que, como todo profissional autônomo, a maior dificuldade é a inconstância. Mas, por outro lado, a flexibilidade e a liberdade criativa são grandes vantagens. Poder trabalhar com o que amo e contribuir para a cultura do país me motiva muito. Olhando do ponto de vista de escritor, o maior problema é o mercado ter passado a enxergar o autor como o principal cliente. E tanto no campo da formação quanto à da publicação, está cheio de predadores de sonhos com promessas vazias e mentiras.
Alguns chamam a escrita de "segundo trabalho". Você, como autor e editor, concorda?
Para qualquer um que tenha um pouco de bom senso, a escrita deveria ser o segundo trabalho. Minhas principais crises com a literatura estavam sempre ligadas ao dinheiro. Ter um trabalho primário permite que você invista na sua carreira literária, em formação e em bons profissionais. Ao mesmo tempo, o primeiro trabalho pode ser desgastante e consumir o tempo que você usaria para criar. É uma faca de dois gumes.
Com base na sua experiência no mercado editorial, o que faz um livro ser bom no ponto de vista, ao mesmo tempo, artístico e consumidor?
Acho que, para um livro ser bom tanto do ponto de vista artístico quanto do consumidor, é preciso alinhar um conjunto grande de fatores: um autor que queira conversar com o presente, que conheça e respeite os processos editoriais necessários na construção de um bom livro; um tema que esteja em alta; e uma editora que esteja disposta a apostar na obra.
Seu livro, 999, traz uma história que se passa na Europa medieval, mas fora do padrão — especialmente étnico — europeu. Que mensagem isso passa?
Dois dos protagonistas do livro são negros. Fiz isso por dois motivos: o primeiro é que, como homem e artista negro, a negritude sempre será o tema central da minha ficção, pelo menos em um horizonte próximo. O segundo é que busco desconstruir estereótipos sobre o medievo europeu, que sempre é retratado com pouca diversidade, quando a historiografia mostra justamente o oposto.
Desse modo, as reflexões e suposições sobre a História trazem quais impactos para a atualidade?
A história é um campo em constante disputa. Muitas vezes, o passado é tratado como tradição, especialmente para conservar e legitimar pensamentos que não fazem mais sentido no presente. Muitas questões do presente são consequências diretas do que aconteceu no passado. O racismo é fruto da escravidão; a misoginia e a homofobia, consequência do patriarcado. Todos são resultados do colonialismo.
A arte não está isenta disso. Ela é ferramenta fundamental na manutenção de determinadas visões sobre o passado, e isso não é coincidência. Heróis e vilões reais são estabelecidos por quem controla as narrativas, sejam elas escritas nas universidades ou em roteiros de Hollywood.
Você pode dizer um livro que serviu de inspiração para 999?
Minha grande inspiração é o autor Bernard Cornwell, especificamente a série dele Crônicas Saxônicas. Ele tem uma prosa rápida, gosta de ir direto ao ponto, um estilo que certamente influenciou o meu. Considero também que ele tem um cuidado especial com a historiografia na hora de escrever sua ficção e sempre faz questão de pontuar a separação entre a ficção e a História.
Por fim, que tal falar um pouco sobre seu novo livro, Trama Ancestral?
Trama Ancestral é uma fantasia histórica ambientada no Brasil Colonial, que narra a história de um homem negro que desperta numa praia sem memória e busca refúgio na mata. Lá, ele encontra uma entidade que diz ser Anansi, o Senhor de todas as histórias, e que lhe faz uma proposta: "Liberta meu povo, que eu devolvo as tuas". Eu diria que Trama é um projeto de paixão, o produto do meu anseio em busca de me entender como escritor e do tipo de coisa que quero fazer. Ao mesmo tempo, é um grito em relação a questões que me atravessaram a vida toda, como racismo, memória e ancestralidade.
Assim termina nossa entrevista com Wilson Júnior, autor de 999 e Trama Ancestral, que nos mostrou como a subjetividade autoral e a ancestralidade negra se entrelaçam para criar narrativas poderosas e relevantes. Agradecemos ao Wilson por compartilhar suas experiências e reflexões sobre o mercado editorial, a escrita e a importância de desconstruir estereótipos sobre o passado.
Compartilhe esta entrevista e ajude a espalhar as ideias de Wilson Júnior! Para conhecer mais sobre seu trabalho e seus livros, acesse suas redes sociais do autor.
***
A coluna "Entrementes, entrevistas" traz conversas com escritores e escritoras brasileiras, conduzidas pelo jovem escritor piauiense Enzo Macedo e editadas pelo poeta baiano Dee Mercês. A coluna explora o panorama literário contemporâneo do país, apresentando autores e suas obras ao público da Geração de 20.
Saiba mais sobre o Movimento Poético Geração de 20